Itamar: isso ainda dá repercussão
Figura emblemática da modernidade negra paulista, ele deixou cerca de 30 canções inéditas gravadas, que vão sair em CD
Lauro Lisboa Garcia
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O derradeiro projeto musical do compositor Itamar Assumpção (1949-2003), Isso Vai Dar Repercussão, com Naná Vasconcelos, deu muito mais o que falar do que o título previa. Não apenas pela ideia notável de Zeca Baleiro produzir esse encontro de criadores ímpares. "O som dos dois foi modificado pelos sons dos dois", definiu o percussionista pernambucano, mas o traçado original foi pro beleléu. Ou seja, ficou mais a cara de Beleléu, apelido pelo qual Itamar também era conhecido. "No fim, ele queria que o disco fosse só dele", lembra Paulo Lepetit, compositor, produtor, baixista, guitarrista e braço direito de Itamar.
Então, daquelas sessões ficaram muitas músicas gravadas e não incluídas no CD de apenas 7 faixas. Este ano, em que se completam 60 anos de nascimento de Itamar (no dia 13 de setembro), elas devem vir a público em dois CDs, com cerca de 30 faixas inéditas. Um dos álbuns terá Lepetit como produtor, o outro, Beto Villares - o nome por trás de alguns dos melhores álbuns da temporada, entre eles, Pelo Sabor do Gesto, de Zélia Duncan, que inclui outra inédita de Itamar (Duas Namoradas, com letra de Alice Ruiz).
Com repertório já digitalizado, os dois álbuns vão integrar a Caixa-Preta, que o Sesc (Serviço Social do Comércio) vai lançar, reunindo todos os outros discos de Itamar. Ele ainda ganha um programa especial da TV Cultura (leia abaixo) e também é parte importante do documentário que Ribamar de Castro, hoje radicado na Espanha, está realizando sobre o Lira Paulistana, lendário teatro da Praça Benedito Calixto, do qual foi sócio, e abrigou a moderna música de São Paulo, a chamada "vanguarda paulistana", Itamar incluído, nos anos 1980.
Outro documentário, só sobre Itamar deve ser realizado pelo Itaú Cultural. Segundo a assessoria, isso ainda é um "projeto futuro", talvez para 2010. A ideia ainda precisa ser amadurecida. Segundo Lepetit, os discos também dependem de detalhes burocráticos, como a liberação de um simples trecho de uma letra traduzida para o japonês, que o autor precisa autorizar.
"Trabalhamos muitos anos juntos. Começamos em 1981 e uma das primeiras coisas que ele me falou era que a gente podia tocar junto a vida toda. Eu disse que uma vida era muito tempo, mas isso acabou acontecendo", lembra o músico. "Tivemos algumas brigas, idas e voltas, ele se foi, mas a gente continua trabalhando com ele."
As "sobras de estúdio" com as quais Lepetit vai produzir seu disco, na maioria, vêm das sessões do encontro com Naná. "Aquele projeto era pra ser um show, eu sugeri que fosse um disco. Depois houve um desentendimento sobre o destino do disco, então a gente parou", lembra.
Durante aquele período, já sem Naná, a cada dia Itamar chegava ao estúdio de Lepetit "com umas quatro ou cinco composições novas". "Nessa fase ele estava muito produtivo e a gente gravou umas 30 músicas. O processo era sempre esse: ele gravava voz e violão, e depois a gente trabalhava em cima. Por isso sobraram muitas, mais de 20, só comigo, fora as outras que foram recolhidas em outros estúdios."
Anelis Assumpção, filha dele, fez uma triagem dessas gravações e de outras que integrariam os volumes 2 e 3 do projeto Pretobrás. "Apesar de não ter os contratos fechados, estamos trabalhando há mais de dois anos na regularização da parte jurídica da obra", diz Ana Paula Malteze, coordenadora do Selo Sesc. "Como ele fez esses discos de forma independente, não havia documentação. A ideia é lançar a Caixa-Preta até o fim do ano. Era um projeto do próprio Itamar ter uma compilação de toda a obra com esse nome."
Os fundamentais discos gravados de Itamar foram lançados por várias gravadoras. Os dois primeiros, Beleléu, Leleu, Eu - Isca de Polícia (1980), um clássico instantâneo, e Às Próprias Custas S/A eram do selo Lira Paulistana e passaram para a Baratos Afins, que lançou a espetacular trilogia Bicho de Sete Cabeças (1993), que gravou com uma banda de mulheres, As Orquídeas. Sampa Midnight - Isso Não Vai Ficar Assim, foi produção independente, gravação de um show. Intercontinental! Quem Diria! Era Só o Que Faltava!!! (Continental/Warner) foi o único título dele produzido e lançado por uma grande gravadora. Tinha parceria com Jards Macalé (Zé Pelintra) e duas canções que repercutiram posteriormente na voz de outras cantoras: Sutil (Ná Ozzetti) e Filho de Santa Maria (Zizi Possi).
Ataulfo Alves por Itamar Assumpção - Pra Sempre Agora (1996), seu inusitado tributo ao compositor mineiro, saiu pela Paradoxx. Título dos mais burilados, Pretobrás - Por Que Eu Não Pensei Nisso Antes (1998) é da Atração. Finalmente, Isso Vai Dar Repercussão, gravado em 2001, mas só lançado postumamente em 2004, pertence à Elo Music, de Paulo Lepetit.
Segundo Riba de Castro, a morte de Itamar foi o que o impulsionou a contar a história do Lira Paulistana, primeiro escrevendo um livro e depois realizando o filme. "Sem a menor dúvida, Itamar Assumpção estará muito presente no documentário sobre o Lira, por meio de sua música, do depoimento de sua filha Anelis, da letrista Alice Ruiz e vários artistas que dividiram o palco com ele." Idealizada e dirigida por ele, a produção está em fase de captação de recursos para sua finalização.
Como artista gráfico, Riba fazia toda a programação visual do Lira. Para o lançamento do primeiro disco de Beleléu com a Banda Isca de Polícia (na época Bando), ele fez um cartaz que mostrava o rosto de Itamar atrás de grades. "A partir desse cartaz criei o cenário para a temporada no teatro. O palco transformou-se numa cela de cadeia. O show começava com o som de uma sirene de polícia, com as luzes apagadas, os músicos entravam com uma lanterna em direção a seus instrumentos", lembra. "Itamar, com outra lanterna, iluminava as caras na plateia, enquanto eu iluminava sua cara de baixo para cima. Quando se acendiam as luzes, Itamar e seu Bando estavam cercados por grades, separados do público. Foi algo difícil de fazer dentro do Lira, pois as arquibancadas estavam a pouco mais de um metro do palco. Era uma apresentação bastante teatral." Era 1981.
Já não era tempo do IA ser relembrado.
Pantim
Há 11 anos
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